A Arte de Morrer: O Processo da Morte Consciente no Yoga
- Nathalia Morgana
- 19 de mar.
- 5 min de leitura
A morte é um dos maiores mistérios da existência humana, mas no Yoga, ela é compreendida como uma transição natural e um processo que podemos aprender a atravessar conscientemente.

Na filosofia do Yoga, o corpo físico é composto pelos cinco elementos. No momento da morte, o corpo físico passa por uma dissolução gradual dos cinco elementos – terra, água, fogo, ar e éter – em uma sequência específica, enquanto a consciência se prepara para se desligar do corpo. Esse processo influencia a forma como a alma deixa o corpo.
Os textos sagrados descrevem que essa passagem pode ser feita de forma confusa e inconsciente, ou de maneira intencional e serena, dependendo da preparação do praticante.
Compreender essa transição pode nos ajudar a preparar a consciência para atravessar esse momento com serenidade.
Os mestres do Yoga ensinam que a forma como morremos reflete a forma como vivemos. Se cultivamos presença, desapego e consciência ao longo da vida, a morte pode ser recebida com tranquilidade e aceitação.
Os Portões do Corpo e o Momento da Transição
📜 Bhagavad Gita VIII.12"Fechando os portões do corpo e atraindo a mente para o coração, depois eleve o prana para a cabeça."
Os textos antigos falam sobre os portões do corpo, que podem ser entendidos como as aberturas físicas e energéticas através das quais a alma pode deixar o corpo.
No sentido físico, há nove portões principais:
1-Ânus
2-Uretra
3-Boca
4-5-Narinas
6-7-Olhos
8-9-Ouvidos
No entanto, no contexto yogue, esses portões representam mais do que apenas aberturas físicas. Eles correspondem também aos centros energéticos (chakras) e ao controle sobre os sentidos.
A prática yogue da morte consciente (Samadhi Final) ensina que, se a energia vital (prana) for direcionada para cima da cabeça (Brahmarandhra), a passagem será mais elevada e a alma poderá alcançar a liberação do ciclo de renascimentos (Moksha).
Por isso, muitos mestres orientam para não tocar o topo da cabeça de uma pessoa morrendo, pois essa é a “porta” pela qual a alma tenta sair.
No momento da transição, um yogue treinado pode fechar os portões inferiores (desconectar-se dos sentidos físicos e do corpo) e elevar sua consciência para um estado superior, saindo pelo chakra coronário.
A Dissolução dos Elementos na Morte
Os textos antigos descrevem que, no momento da morte, os elementos se dissolvem gradualmente, levando à perda das funções sensoriais e físicas. Esse processo acontece na seguinte ordem:
1- Terra → Água
O corpo começa a perder sua força e densidade.
Sensação de peso extremo e fraqueza.
O apetite desaparece.
2- Água → Fogo
O corpo perde fluidos, a boca seca, os olhos se tornam opacos.
A temperatura do corpo oscila, e há perda de controle sobre os líquidos corporais.
3- Fogo → Ar
Sensação de frio intenso.
A visão se torna turva e a luz parece se apagar.
O fogo digestivo se extingue completamente.
4- Ar → Éter
A respiração se torna irregular e espaçada.
O tato e os movimentos cessam.
A alma se prepara para se soltar do corpo.
Quando o elemento ar se dissolve, a força vital (prana) se recolhe no chakra do coração. Esse é o momento crucial para o praticante avançado de Yoga, pois é quando ele pode elevar o prana para sair pelo topo da cabeça (Brahmarandhra), libertando-se do ciclo de renascimentos.
📜 Bhagavad Gita VIII.12"Fechando os portões do corpo e atraindo a mente para o coração, depois eleve o prana para a cabeça."
Por isso, é dito que tocar o topo da cabeça de alguém que está morrendo pode interferir na sua transição, pois esse é o ponto pelo qual a alma busca sair.
A Prática da Morte Consciente (Phowa e Samadhi Final)
No Budismo Tibetano, a prática chamada Phowa ensina o praticante a transferir sua consciência para um estado de iluminação no momento da morte. O objetivo é direcionar a energia para uma passagem suave e libertadora.
No Yoga, essa preparação é feita através do Samadhi Final, onde o yogue aprende a sair do corpo conscientemente. Muitos mestres escolhem o momento exato da morte, entrando em meditação profunda e deixando o corpo com plena consciência.
Como preparar-se para essa prática?
Meditação diária: Cultivar um estado de presença para não temer o desapego.
Pranayama e Bandhas: Controlar o fluxo de prana e aprender a direcioná-lo conscientemente.
Pratyahara: Retirar a atenção dos sentidos para voltar-se ao Eu interior.
Shavasana profundo: Experimentar a morte simbólica em cada prática.
O Livro Tibetano dos Mortos descreve esse momento como um portal de libertação:"Se, no momento da morte, a consciência estiver tranquila e clara, a transição será como o sol emergindo das nuvens."
Shavasana: A Prática de Morrer em Vida
A postura de Shavasana (Postura do Cadáver) é frequentemente subestimada, mas seu verdadeiro propósito é ensinar a morrer conscientemente.
Tensão e Soltura: Algumas tradições ensinam que devemos tensionar todo o corpo antes de relaxar profundamente, pois isso simula o momento em que a alma precisa reunir sua energia para se desprender.
Entrega Total: Ao praticarmos Shavasana com entrega e sem apego ao corpo, aprendemos a deixar ir com mais leveza, sem resistência ao fluxo natural da existência.
Direcionamento do Prana: No momento final, um yogue pode elevar sua energia ao topo da cabeça e sair do corpo de forma consciente e graciosa.
"Os monges budistas treinam a vida inteira para fazer isso no momento da morte, mas poucos conseguem." – Robert Thurman
🧘♂️ Como funciona a prática?
1- Deite-se em Shavasana e tome consciência do seu corpo.
2- Tensione cada membro um por um, ao máximo, e eleve-o alguns centímetros do chão.
Braços: Aperte as mãos em punhos, contraia os braços e levante-os ligeiramente. Solte de uma vez no chão.
Pernas: Estique os pés, contraia as coxas e levante as pernas levemente. Solte de uma vez.
Rosto: Franza a testa, aperte os olhos, contraia os músculos do rosto e depois solte.
Tórax e abdômen: Contraia e solte rapidamente.
3- No final, tensione todo o corpo de uma só vez!
Levante braços, pernas, cabeça e contraia todo o corpo por alguns segundos.
Solte de uma vez no chão, sentindo o calor e a energia se espalharem pelo corpo.
4- Agora, entre no relaxamento profundo de Shavasana.
Sinta o corpo completamente entregue.
Permita-se experimentar uma morte simbólica e renascer na quietude do momento presente.
Esse exercício nos ensina a entrega e o desapego, preparando a mente para soltar o corpo sem resistência quando o momento real da morte chegar.
Conclusão: A Vida Como Preparação para a Morte
O Yoga nos ensina que a morte não é uma experiência súbita, mas o reflexo de como vivemos.
Se vivemos em apego e medo, a morte pode ser um momento de confusão. Mas, se cultivamos desapego, presença e conexão com o Eu verdadeiro, podemos atravessá-la como uma passagem serena para o infinito.
🌿 A grande pergunta do Yoga não é “o que acontece depois da morte?”, mas sim: “como estamos vivendo agora para que, quando a morte chegar, possamos recebê-la em paz?”
📜 Goraksha Shataka, verso 94"A morte é a porta para a liberação. Aquele que compreende isso não tem medo da morte."
Comments