Como realmente aproveitar a vida — sem respostas óbvias
- Nathalia Morgana

- 8 de nov.
- 4 min de leitura
Tem uma frase que eu ouço muito de pessoas mais velhas: aproveita. Ou então: eu devia ter aproveitado mais. Toda vez que eu escuto isso, uma parte minha concorda, outra parte minha pensa que isso é fácil de falar quando já se está olhando a vida pelo retrovisor, e uma terceira parte pensa: mas afinal, o que é aproveitar?

Porque aproveitar não é tão simples quanto postar foto na praia, largar tudo e ir morar no mato ou viver viajando. A maioria de nós não vive nessa realidade. A maioria de nós está vivendo como dá. Com boletos, com rotina, com hormônios mudando, com corpo mudando, com gente dependendo da gente, com compromissos que não têm como ser abandonados porque alguém decidiu que o certo era largar tudo e ser livre. A vida real não é assim.
E aí vem outra coisa que tenho percebido agora que estou chegando perto dos 40. O corpo começa a contar umas verdades que antes ele escondia. Uma gripe que antes durava dois dias agora arrasta a semana. Uma noite mal dormida aparece no rosto. A pele não volta igual. O cabelo vai entregando o tempo em forma de fio branco. E eu fico pensando que talvez seja isso que as pessoas mais velhas estavam tentando dizer: não é só sobre aproveitar a vida no sentido de fazer grandes coisas, é sobre não desperdiçar o que ainda está vivo em você.
Só que elas também falham em explicar o que fariam de diferente. Porque quando eu pergunto para mim mesma o que eu faria de diferente, eu não penso em coisas grandiosas. Penso em coisas muito concretas.
Eu dormiria mais cedo.
Eu cuidaria mais da minha força física.
Eu escolheria melhor as pessoas com quem eu gasto minha energia.
Eu diria não mais rápido.
Eu ficaria mais tempo em silêncio.
Eu usaria sem culpa o hidratante bom.
Eu guardaria menos roupa para ocasiões especiais e viveria mais ocasiões especiais dentro da terça-feira comum.
Isso é aproveitar.
Talvez o que os mais velhos chamam de aproveitar seja, na verdade, não ter vivido tanto no automático. Não ter passado tantos anos tentando agradar, sustentando relações que já tinham acabado, insistindo em formas de trabalhar que já não faziam sentido, segurando raiva no corpo até virar dor. Porque isso cobra um preço alto aos 40, 50, 60. E aí a frase vem: eu devia ter aproveitado mais. Mas o que ela quer dizer é: eu devia ter sido mais fiel a mim, mais cedo.
Outra coisa: a gente acha que aproveitar é fazer mais. E eu acho que, depois de um certo ponto, aproveitar é fazer menos. Menos do que esperam, menos do que mandam, menos do que o algoritmo quer, menos do que a culpa manda. Aproveitar é ter espaço para sentir. É ter corpo suficiente para viver o dia sem dor. É ter tempo para meditar sem olhar o relógio de 3 em 3 minutos. É tomar o café depois da prática e sentir o gosto do café. É olhar a chuva e não achar perda de tempo. É envelhecer vendo que você ainda está dentro da própria vida, e não assistindo sua vida como se fosse de outra pessoa.
Eu tenho pensado muito nisso por causa das pequenas mudanças do corpo. Uma gripe que não passa rápido como antes te mostra que você não é mais indestrutível. Uma lesão que demora mais que o normal te mostra que essa máquina precisa de mais cuidado. O envelhecer é isso. É o corpo dizendo: me coloca na lista de prioridades, por favor. E aí vem a pergunta: dá para aproveitar mais hoje? Dá. Mas não do jeito que o Instagram diz. Dá do jeito que cabe.
Talvez aproveitar hoje seja fazer a prática mesmo que não seja perfeita. Talvez seja escolher uma alimentação que não te inflame. Talvez seja cancelar uma saída porque o seu corpo pediu silêncio. Talvez seja parar de comparar seu ritmo com o de quem tem 20 anos. Talvez seja aceitar que você está mudando e que isso não é uma derrota. É só a vida acontecendo.
E o que as pessoas mais velhas fariam de fato de diferente, se pudessem? Acho que elas se cuidariam mais cedo. Não só esteticamente. Cuidariam do sono, da coluna, do intestino, da mente. Cuidariam da espiritualidade, não na velhice, mas no meio do caos dos 30 e poucos. Parariam de empurrar para depois a viagem, a terapia, o retiro, o exame médico. E se escolheriam mais. Não iam passar tanto tempo tentando ser a pessoa certa para todo mundo.
Então, se eu fosse transformar tudo isso em uma resposta para você que está chegando perto dos 40, seria algo assim: aproveitar não é viver tudo. É viver o que é seu. É estar presente dentro do seu próprio corpo enquanto ele ainda responde. É fazer escolhas que façam sentido para a mulher que você é hoje e não para a menina de 25 que vivia sem dor e sem medo. É criar uma vida que você consiga sustentar. É ter rituais que te lembram da sua essência. É continuar se movendo mesmo quando o corpo pede mais tempo para se recuperar. É aceitar o fio branco sem se abandonar. É se cuidar não por vaidade, mas por amor.
A velhice que aconselha a gente a aproveitar costuma esquecer de dizer que ninguém viveu tudo. Todo mundo teve falta de alguma coisa. Todo mundo teve época difícil. Todo mundo viveu como deu. Então não precisa carregar culpa por não estar numa fase cinematográfica. A pergunta certa talvez não seja se você está aproveitando o suficiente, mas se você está desperdiçando o mínimo possível do que é essencial para você.
E aqui entra o Yoga. Não como pose bonita, mas como lembrança diária de que a vida é agora, dentro desse corpo que está mudando. A cada respiração você pode voltar. A cada aula você pode se escolher de novo. A cada Savasana você pode dizer para si mesma que ainda dá tempo. Porque dá. Não dá para frear o envelhecer, mas dá para envelhecer acordada.
Obrigada por continuar praticando comigo e por ter essas conversas que saem do óbvio. É assim que a gente vai afinando a vida para ela ficar mais nossa.





Comentários