Por que algumas pessoas despertam sentimentos bons e outras ruins em nós?
- Nathalia Morgana

- há 4 dias
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Hoje eu acordei pensando em como é curioso isso de gente que acende coisas lindas na gente e gente que acende o contrário. Já aconteceu com você de estar super bem e, do nada, encontrar uma pessoa e perceber que algo dentro de você mudou? Às vezes virou expansão, inspiração, vontade de ser melhor. Outras vezes virou um incômodo estranho, quase uma contração. E aí vem aquela pergunta que não cala: por que essa pessoa me despertou isso?

Eu fico pensando que nós, seres humanos, carregamos o pacote completo. Ninguém veio só com luz. Ninguém veio só com sombra. Temos amor, temos ciúme, temos calma, temos raiva, temos generosidade, temos inveja. Todas essas frequências existem em nós como possibilidades. O que muda é o que está mais acessível naquele momento. E quem cruza nosso caminho vai funcionando como uma espécie de dedo que aperta botões diferentes em nós.
Tem gente que aperta o botão da potência. Você olha e pensa assim: nossa, se ela conseguiu, eu também consigo. Ou então o jeito da pessoa existir te dá vontade de cuidar melhor de você, de estudar, de praticar, de se aproximar de Deus. Isso é um despertar bonito. Não é sobre copiar a pessoa. É sobre algo nela lembrar algo seu que estava adormecido.
Mas também tem quem aperta o botão da comparação, da insegurança, da escassez. E aí nasce aquela invejazinha desconfortável, que a gente não gosta de admitir. Eu mesma já cruzei com pessoas que me ativaram o melhor e já cruzei com pessoas que me ativaram o pior. E não foi porque elas eram boas ou más. Foi porque elas encostaram em algo que já estava em mim.
E é aqui que eu queria chegar: ninguém coloca em nós o que não existe. As pessoas só mostram. Elas revelam o que já estava guardado. É como se o encontro fosse uma luz acesa no quarto. A bagunça já estava lá. A luz só ajudou você a ver.
Se for assim, então não é tão útil eu ficar pensando por que fulana me desperta inveja e ciclano não. A pergunta mais honesta talvez seja o que essa inveja está tentando me contar. Porque a inveja não é só feia. Ela é informação. Ela mostra para onde sua alma está apontando. Ela mostra o que você gostaria de viver e ainda não vive. Ela mostra o que você acha que não merece. Ela mostra onde ainda dói quando o outro tem e você não.
No Yoga a gente fala muito de samskara, que são essas marcas, memórias, registros sutis que ficam no nosso campo. Quando alguém chega e desperta algo em nós, ela está tocando um samskara. Pode ser de uma história de desvalorização que você viveu. Pode ser de uma comparação antiga com irmã, colega, professora. Pode ser de uma fase da vida em que você teve que se provar o tempo todo. Então a pessoa que chega hoje não é o problema. Ela só abriu a gaveta. O que tem dentro é seu.
E aí eu fico me perguntando. Se isso é assim, como que eu ajo com isso? Como eu escrevo sobre isso sem cair naquelas respostas óbvias do tipo se alguém desperta algo ruim em você é porque você está com inveja, pronto. Isso é muito pouco. Porque às vezes não é inveja. Às vezes é proteção. Às vezes é seu sistema dizendo aqui não. Às vezes é o seu corpo percebendo uma incoerência no campo da pessoa. Às vezes é o seu coração dizendo eu não preciso viver a vida dela. Então não é sempre que um desconforto significa que você está errada. Às vezes significa que você está vendo claro.
Por isso eu gosto de pensar assim. Toda vez que alguém despertar algo em mim, eu posso fazer três perguntas.
O que exatamente eu senti? Tento nomear. Foi admiração? Foi comparação? Foi medo de ficar para trás? Foi vontade de ser vista?
Esse sentimento fala mais de mim ou da pessoa? Se ela não existisse, isso continuaria em mim?
O que isso está me mostrando sobre o que eu quero viver ou sobre o que eu preciso curar?
Quando a resposta é fala de mim, então é trabalho interno. A gente leva para o tapetinho, para a meditação, para o japa, para o diário. Não para se culpar, mas para integrar. Porque se eu integrar, da próxima vez que alguém brilhar, eu não vou sentir ataque. Vou sentir permissão.
Agora, tem um outro lado que quase ninguém fala. Tem gente que desperta o nosso melhor e a gente também precisa aprender a receber isso. Porque às vezes a pessoa te elogia, te enxerga, celebra você e o que desperta é desconforto. É como se você pensasse "eu não sou tudo isso". Isso também é um lugar para olhar. Por que é tão difícil ser vista? Por que é mais fácil se identificar com a parte que sofre do que com a parte que já floresceu?
Eu gosto da ideia de que os encontros são pedagógicos. Deus ensina através das pessoas. Tem gente que vem para mostrar o que é possível. Tem gente que vem para mostrar o que eu não quero mais ser. Tem gente que vem para apontar a direção. Tem gente que vem para espelhar a ferida. E tem gente que vem só por uma estação, só para ativar um botão e ir embora. Não é sobre segurar todo mundo. É sobre perceber o que cada encontro ensinou.
Se eu olho para a minha própria história com o Yoga, teve uma época que eu via certas professoras e pensava quero ser assim. Não era idolatria. Era reconhecimento. Minha mãe já tinha livros de Yoga na estante antes de eu me interessar por tudo isso. Depois, quando eu realmente me tornei professora, eu percebi que boa parte do que eu sentia com essas pessoas era o meu caminho me chamando. Elas despertaram em mim uma versão que já existia. Só estava dormindo.
Do mesmo jeito, já teve gente do meio que me despertou desconforto, competição silenciosa, sensação de não estar fazendo o bastante. Na época eu não entendia. Hoje eu vejo que tinha a ver com a forma como eu estava medindo o meu próprio valor. Eu me comparava porque eu ainda achava que existia pouco lugar. Quando eu entendi que o meu Shala é o meu Shala, que a minha forma de ensinar é a minha forma de ensinar, e que minha comunidade me escolhe pelo que eu sou, aquilo foi se dissolvendo. A pessoa não precisou mudar. Eu que mudei o olhar.
Talvez o ponto mais bonito disso tudo seja esse. Se as pessoas despertam coisas em nós, então nós também despertamos coisas nos outros. E isso traz responsabilidade. Às vezes você é a pessoa que está acendendo a coragem de alguém. Às vezes você é a pessoa que está acendendo o incômodo de alguém. E não porque você fez algo errado, mas porque sua presença mostrou o que estava escondido. É por isso que eu gosto de dizer que presença é luxo. Porque quando você aparece inteira, você vira espelho. E nem todo mundo está pronto para se ver.
No fim das contas, o Yoga é esse lugar seguro onde a gente pode observar tudo isso sem se explicar demais. Sentar, respirar e perceber. Hoje isso me ativou. Ok. De onde veio. Que parte minha está pedindo cuidado. Como eu posso responder com consciência e não no automático. Como eu posso deixar que esse encontro me refine em vez de me endurecer.
Não quero trazer uma resposta fechada, porque eu também ainda estou entendendo. O que eu sei é que isso acontece porque somos relacionais. A gente se reconhece no outro. A gente se compara no outro. A gente se cura no outro. A gente se confere no olhar do outro. E cada encontro vira uma chance de escolher qual parte minha vai conduzir. A parte que contrai e julga. Ou a parte que observa e integra.
Talvez esse seja o convite do texto. Da próxima vez que alguém despertar algo muito forte em você, em vez de sair reagindo, só observe. Nomeie. Entenda o recado. E use o encontro como portal de autoconhecimento. Porque se cada pessoa que passar pela nossa vida for só gatilho, a gente vive em guerra. Mas se cada pessoa que passar pela nossa vida for espelho, a gente vive em prática. E viver em prática é viver em Yoga.
Me conta depois qual emoção alguém já despertou em você e que te fez pensar. Quero muito saber.





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